segunda-feira, 24 de junho de 2013

Turbilhões

As últimas semanas e dias foram do mais intenso que já vivi antes.

Preocupação, stress, repouso, stress, mais preocupação, optimismo, força, choros intensos, abraços, conforto, mais stress, hospitais, consultas, exames, mais preocupação, frustração, medo, dor, MUITA dor, esfigmomanómetros, anestesia, algálias, cateteres, médicos, ansiedade, conversas difíceis, decisões de vida ou morte, confusão, indecisão.

E uma certeza apenas: fazer tudo ao nosso alcance para dar uma hipótese à Leonor.

A minha placenta formou-se com algum tipo de problema que ainda não sabemos (a Anatomia Patológica há-de dizer). Não alimentava a Leonor. Deixou-a sem condições no meu útero às 24 semanas de gestação, altura em que se começaram a medir os fluxos de forma muito apertada, para perceber quando ela entraria em sofrimento e tentar tirá-la a tempo.

No dia 20 de Junho, às 19h, a ecografia mostrava que os fluxos estavam mal, muito mal. Enviaram-me para Santa Maria dizendo que o parto estava iminente por dias. Mas lá acharam que não seriam dias, e depois de me monitorizarem (porque tinha já o diagnóstico de pré-eclâmpsia, que é algo ruim e perigoso para a mãe) e de muito conferenciarem todos os médicos de Banco, acharam que era urgente repetir a ecografia. E às 2h da manhã lá andei pelos corredores escuros, assustadores e vazios da ala de consultas. A eco estava ainda pior, e não davam muito tempo de vida à minha menina lá dentro...

Vinham as decisões difíceis... Ela ia nascer no final de Setembro! E de repente vejo-me confrontada com a hipótese dela nascer nessa mesma noite, muito pequenina (peso estimado de 470 gramas), muito imatura, e com muito poucas expectativas de se safar (dizia a Neonatologista). Desde as 22 semanas, pela tal pré-eclampsia, que ouvia dizer que o mais certo era terem que acabar com a gravidez para salvar a minha vida e saúde, e que com as 22 semanas nada se podia fazer pela bebé, "não era viável". Só seria "viável" a partir das 24, altura em que podia fazer-se um tratamento com corticóides para maturar a bebé. Mas a Leonor, especificamente, era mesmo MUITO pequenina mesmo para a idade, o que piorava bastante o prognóstico. Mas eu só pensava: aguentámo-nos às 22, às 23, 24, e ainda fizemos 25 e 26! Como posso desistir dela agora? Não há volta atrás! E tentei esquecer tudo o que me mau me diziam sobre as possibilidades do futuro. 

Não podia ser uma decisão tomada só por mim, e chamaram o AF. Chorámos os dois. Ele chorou mesmo, e eu só chorei por dentro. Não sei como, mas sentia-me vazia de outros sentimentos que não fazer o melhor para a Nonô. Perguntava-nos a Neonatologista se queriamos apostar na Leonor. E se queríamos, mesmo conhecendo todos os riscos e prognósticos da prematuridade (e as hipóteses de sobrevivência de uma bebé tão pequenina, mesmo no momento do parto), que apostassem nela. Que havíamos nós de responder? Queremos apostar nela, pois claro! Se nos diziam que a bebé se iria demitir da sua sobrevivência no meu útero dentro de poucas horas, pois claro que tinha que sair, e tinhamos que apostar nela!

Depois era a dúvida: cesariana ou parto vaginal? Não tinha qualquer tipo de dilatação nem contracções, e a indução podia demorar. MUITO. E era perigosa para a Leonor. Sempre que eu perguntava o que seria melhor para ela, respondiam que nem sabiam se havia sequer algo muito bom para ela, e se não seria melhor pensar no melhor para mim. O melhor para mim era parto vaginal. Mas ela não tinha grandes hipóteses de se safar... Mas segundo o ponto de vista médico, com a cesariana a hipótese aumentava um pouquinho, mas não muito. Se aumentava um pouco, então iamos para o melhor para ela. Mesmo que o melhor não fosse BOM. Mas a cesariana trazia grandes riscos para mim... Não risco de vida propriamente, como o AF percebeu de início, mas risco do meu útero ficar comprometido, e ficar impossibilitada de ter gravidezes viáveis no futuro. É que com um útero numa fase tão precoce da gravidez, teria que ser cortado bastante em profundidade, e em largura, para conseguirem ir buscar a Nonô. Então e como podia eu arriscar a hipótese ínfima da Leonor, com base em gravidez futuras que nem sei se irei ter? Tinhamos a Leonor naquele momento, e a hipótese de lutar por ela. Como nâo o fazer?

O AF dizia que a decisão era minha. E eu já tinha decidido ainda antes dele chegar... Tinha muito medo da cesariana, confesso. Muito mesmo. Por mim! Porque não me achava capaz de passar por tudo aquilo sem qualquer preparação prévia, tinha sido tudo muito de repente... Mas já tinha decidido. A partir do momento em que informámos os médicos da nossa decisão, não mais se falou de prognósticos: iamos avançar, e eles dariam o seu melhor!

Começou tudo... Algaliaram-me, punham-me acessos venosos nas mãos, mediam-me a tensão, davam-me medicação, picavam para tirar sangue, e davam-me a anestesia, tudo ao mesmo tempo. Apaniquei. Muito. Comecei a chorar e mal conseguia parar quieta para a epidural. Tremia muito, mas tremores de grande amplitude. Uma enfermeira limpava-me as lágrimas, e penso que ela achou que eu estava a cair em mim na hipótese da Leonor não sobreviver a tudo aquilo... Confesso que não. Naquele momento chorei apenas porque achei que não ia aguentar todo aquele aparato. É muito difícil estar do outro lado... Apaniquei pela claustrofobia do momento: não podia sair dali, e o momento de tudo ter acabado ainda parecia longínquo.

Quando todas as dores passaram e só senti formigueiro, apaniquei de novo: sentia começarem-me a cortar a barriga... Logo quando sentia a perna esquerda dormente, mas a direita normal. "É normal, não se preocupe que a barriga está anestesiada!". É isto que os doentes nas cirurgias nas quais participei sentem? Coitados! É normal sentir tudo? Sentir TANTO? Ok, não há dor, mas sentia tanto do que me faziam! Parecia que os sentia mexerem nas minhas costas através do corte na barriga... Era muito estranho... E eu continuava a tremer, tremer, tremer, conseguindo mexer o suporte para os meus braços onde estava presa...

Depois veio o momento mágico... Aquele em que ouvi um chorar tímido, baixinho, mas constante. Era a minha menina! Ela estava a chorar! Esteve durante um bocado! Não me lembro se parei de tremer nesse momento... Mas foi o momento em que senti: "Sou mãe!". Não vi a Leonor, só a ouvir durante o pouco tempo em que cuidaram dela no Bloco, antes de a encaminharem para os Cuidados Intensivos Neonatais.

"441 gramas! Mas as mulheres não se medem aos palmos, hã?"-disse um pediatra. 441 gramas!! Nem as 470 estimadas na ecografia! Coitadinha da minha pequenina, a fominha que passou dentro de mim...

Sei que exclamaram depois algo sobre a placenta. Não percebi o quê, mas algo de errado se passava com ela... E lá aguentei mais imensas mexedelas. Nesta altura, já nem ligava...Queria saber algo da Nonô! Quando veio um pediatra de máscara ter comigo, fez-me impressão não conseguir ver a cara dele. Não percebi que tipo de notícias ele me trazia... Quando perguntou: "Então, como se vai chamar a princesa?" acho que parei de tremer. Parei de sentir as obstetras mexerem nas minhas entranhas. A pequena tinha sobrevivido, pelo menos até ali! Já estava na incubadora. E estava bem!

Tudo o resto passou a correr. Não liguei mais ao que de físico estava a sentir. Liguei apenas ao alívio brutal de pelo menos aquele passo já ter sido ultrapassado pela Leonor.

No recobro deixaram o André vir ter comigo. Eu tinha frio, muito frio, e já tinha voltado a tremer. Só ele foi chamado à Neonatologia (óbvio que eu não estava em condições) e já só voltei a falar com ele quando já estava no serviço de internamento... Não tinha telemóvel comigo, e queria muito ter novidades da Leonor!

Não tenho bem noção das primeiras horas no Internamento. Tinha muito sono, sentia que não conseguia estar acordada, mas também não dormia, porque me lembro de olhar para o relógio e serem quase sempre as mesmas horas.

A morfina ajudou muito a não ter dores. Tenho-as agora. Mas já passaram 4 dias, e a Nô permanece estável. Não imaginam como é pequenina! Mas como é perfeita no seu tamanho micro...nano!! Agora a luta é outra: só queria que ela se aguentasse! Mas já passou muitos obstáculos que achavam não ser possível, por isso continuarei a confiar nela e na sua vontade de viver.

Renovo o convite para visitarem o blog do papá da Leonor. Ele tem sido muito mais assíduo a dar novidades! E não sei como teria conseguido tudo sem ele...


22 comentários:

  1. Muitos parabéns aos dois! Vai correr tudo bem. Tenho a certeza!

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    1. Correu tudo bem. Ela está bem. Só não da maneira que esperávamos :(

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  2. São os três uns guerreiros no meio desse turbilhão que vos assaltou. A Leonor uma autentica guerreira!
    Estou aqui a torcer muito, sempre!
    Um bj grande e um abraço apertadinho para os três :)

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    1. Obrigada, querida! * Não foi suficiente para ficar connosco, mas nada tira à Leonor ter sido uma guerreira lindona!

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  3. Força, boa sorte e felicidades!
    Inês

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  4. Minha querida, antes de mais parabéns a ti e parabéns pela pequena grande guerreira que é a Leonor. Tenho acompanhado as vossas notícias no facebook e no blog do teu AF, mas este teu testemunho cortou-me a respiração de tão intensamente se sente o que escreves. Tenho a certeza de que tudo vai correr bem - tenho fé, acredito que sim! Vou estar sempre deste lado a torcer por ti - mesmo sem te conhecer pessoalmente o carinho é imenso e a certeza de que mereces tudo o que desejas, ainda maior. Beijinho grande, no coração.

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  5. Muita força e vai correr tudo bem! Beijinhos grandes aos 3, este texto deixou-me aqui com o coração bem apertado!

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  6. ADEK, que relato impressionante, sentido, verdadeiro... O important agora é recuperares para estares bem e sempre ao lado da tua pequena grande menina. Beijinhos aos três, força e parabéns pela coragem :)

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  7. Ana, não te conheço, só o André, mas tenho de deixar aqui um comentário para ti. Não é só a Leonor que é uma leoa, tu também és! Muitos parabéns por toda a coragem que demonstraste, tudo o que fizeste pela Nô. Que a tua recuperação seja rápida e que a Nô cresça saudável e forte como leoa que é! Tenta arranjar o máximo de ajuda que possas com as coisas práticas como ter comida e roupa lavada em casa. Não tentes fazer tudo, o teu parto foi complicado e tens que pensar também em ti para poderes cuidar dela!

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  8. Olá Ana,
    Não a conheço, mas conheço bem demais a dor de se ter um bebe tão pequenino e minusculo. A dor fisica não importa suportamos tudo, mas a dor psicologica essa é insuportavel, leva-nos a um estado de loucura. Sim tem razão quando diz que só tem sono, relamente não queremos acordar, não queremos viver o pesadelo em que nos encontramos, não queremos pensar no futuro, queriamos adormecer e acordar como se tudo não passa-se disso mesmo um pesadelo.
    Foram momentos muito dificeis onde só nós podiamos decidir, mas será que somos nós quem deve dizer "tu vives, tu não vives", não se o nosso filho está vivo devemos dar essa possibilidade. Sou mãe de uma menina que nasceu há 15 anos de 23s e 5d, também, nasceu viva, depois de uma ruptura de membranas, foi tudo muito rápide e muito lento, entrei em trabalho de parto em casa ás 4h da manhã e ela nasceu ás 00h12s do dia seguinte. Diagnostico, sem qualquer esperança de sobrevivencia, mas nós pais acreditamos sempre, sempre nela. Houve quem nos disse-se que ela só exixtia na pratica porque estava ali, teoricamente, pelo que dizem os livros ela não existia. Ignorei esse comentario e continuei a a creditar nela. Foram dias muito dificeis, assim como serão os vossos, mas vamos buscar forças ao amor do olhar daquele bebé tão minusculo, mas com uma força de viver fora dos limites. Sim, também o futuro era muito incerto, mas viviamos um dia de cada vez, cantavamos vitoria cada grama, acreditavamos em cada dia menos bom. E assim foram 102 dias.
    Cada bebé é um bebé, cada um tem um percurso diferente, eu costumo dizer que a prematuridade é como a nascente de um rio, todos nascem da mesma maneira de uma gotinha de agua, mas depois cada um segue o seu rumo.
    Sei que hoje é um dia muito especial, faz anos e desde já os meus parabens.
    Estou a rezar para que tudo corra bem.
    Bjs
    Ilidia Silva

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    1. Obrigada pelo seu comentário. A pequenina Leonor foi mesmo muito pequenina para este mundo, apesar de todos acreditarmos muito na sua sobrevivência, e de amor não lhe ter faltado!

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  9. Olá Ana! Não nos conhecemos, mas também eu há 2 anos atrás passei por uma situação que em muito se assemelha à sua.. infelizmente a minha Leonor, perdeu a vida ainda dentro da barriguinha da mamã às 26 semanas, pois a pré-eclampsia ainda não havia sido confirmada, o que aconteceu depois de perder a minha princesa...Emocionei-me bastante quando li hoje alguns textos do diário do papá da sua Leonor.. Sei o quão contranatura é perder O NOSSO BEBÉ! Acho que devia ser completamente proibido os pais passarem por estas situações pis não há dor maior que a que está a sentir. Foi estranho ler tudo o que a Ana escreveu, principalmente na parte descritiva do parto e dos seguintes sentimentos.. recordo-me muito bem de também eu estar no recobro depois de ter sido operada de urgência pois além da pré-eclampsia ainda fiz uma septicémia... e de sentir isso mesmo, sono, muito sona, mas estranhamente lembro-me de ver passar todas as horas. Sei que a dor de hoje é mais que algo físico, é acima de tudo o sentimento de perda, horroroso. Mas acredito que dentro de algum tempo também a Ana vai ter uma história bonita para contar, como a que eu tenho hoje, o MEU bebé Simão, o mano da minha Leonor que tem agora 6 meses. Eles não substituem os manos mas ajudam tantoooooooo a aguentar esta dor. Muita muita força minha querida, um abraço apertado e um beijinho carregadinho de esperança de que o amanhã vai ser melhor com certeza!

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    1. As nossas Leonores dvem estar a brincar as duas lá em cima agora!*

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  10. Ola Andre desejo tudo do melhor para voces e sei bem o Que isso e porque tb passei por la. Muita forca para voces e podem se lembrar Que tudo Que fizeram foi por ela

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    1. Sim, tudo o que fizemos foi por ela. E tudo o que faremos a partir de agora, não será só por nós, mas continuará a ser por ela. Com todas as lições que nos ensinou postas em prática.

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  11. A força de uma criança que fez questão de conhecer os papás e retribuir todo o amor incondicional...
    Essa força irá sempre confortar e preencher os vossos corações do vazio da sua falta fisica.
    Bjinho com muito carinho Anita e parabens aos dois pelo exemplo.
    M Carmo

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    1. Muito forte, a nossa Nô! Quem me dera que tivesse chegado para ficar connosco... Beijinhos e obrigada!

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