As últimas semanas e dias foram do mais intenso que já vivi antes.
Preocupação, stress, repouso, stress, mais preocupação, optimismo, força, choros intensos, abraços, conforto, mais stress, hospitais, consultas, exames, mais preocupação, frustração, medo, dor, MUITA dor, esfigmomanómetros, anestesia, algálias, cateteres, médicos, ansiedade, conversas difíceis, decisões de vida ou morte, confusão, indecisão.
E uma certeza apenas: fazer tudo ao nosso alcance para dar uma hipótese à Leonor.
A minha placenta formou-se com algum tipo de problema que ainda não sabemos (a Anatomia Patológica há-de dizer). Não alimentava a Leonor. Deixou-a sem condições no meu útero às 24 semanas de gestação, altura em que se começaram a medir os fluxos de forma muito apertada, para perceber quando ela entraria em sofrimento e tentar tirá-la a tempo.
No dia 20 de Junho, às 19h, a ecografia mostrava que os fluxos estavam mal, muito mal. Enviaram-me para Santa Maria dizendo que o parto estava iminente por dias. Mas lá acharam que não seriam dias, e depois de me monitorizarem (porque tinha já o diagnóstico de pré-eclâmpsia, que é algo ruim e perigoso para a mãe) e de muito conferenciarem todos os médicos de Banco, acharam que era urgente repetir a ecografia. E às 2h da manhã lá andei pelos corredores escuros, assustadores e vazios da ala de consultas. A eco estava ainda pior, e não davam muito tempo de vida à minha menina lá dentro...
Vinham as decisões difíceis... Ela ia nascer no final de Setembro! E de repente vejo-me confrontada com a hipótese dela nascer nessa mesma noite, muito pequenina (peso estimado de 470 gramas), muito imatura, e com muito poucas expectativas de se safar (dizia a Neonatologista). Desde as 22 semanas, pela tal pré-eclampsia, que ouvia dizer que o mais certo era terem que acabar com a gravidez para salvar a minha vida e saúde, e que com as 22 semanas nada se podia fazer pela bebé, "não era viável". Só seria "viável" a partir das 24, altura em que podia fazer-se um tratamento com corticóides para maturar a bebé. Mas a Leonor, especificamente, era mesmo MUITO pequenina mesmo para a idade, o que piorava bastante o prognóstico. Mas eu só pensava: aguentámo-nos às 22, às 23, 24, e ainda fizemos 25 e 26! Como posso desistir dela agora? Não há volta atrás! E tentei esquecer tudo o que me mau me diziam sobre as possibilidades do futuro.
Não podia ser uma decisão tomada só por mim, e chamaram o AF. Chorámos os dois. Ele chorou mesmo, e eu só chorei por dentro. Não sei como, mas sentia-me vazia de outros sentimentos que não fazer o melhor para a Nonô. Perguntava-nos a Neonatologista se queriamos apostar na Leonor. E se queríamos, mesmo conhecendo todos os riscos e prognósticos da prematuridade (e as hipóteses de sobrevivência de uma bebé tão pequenina, mesmo no momento do parto), que apostassem nela. Que havíamos nós de responder? Queremos apostar nela, pois claro! Se nos diziam que a bebé se iria demitir da sua sobrevivência no meu útero dentro de poucas horas, pois claro que tinha que sair, e tinhamos que apostar nela!
Depois era a dúvida: cesariana ou parto vaginal? Não tinha qualquer tipo de dilatação nem contracções, e a indução podia demorar. MUITO. E era perigosa para a Leonor. Sempre que eu perguntava o que seria melhor para ela, respondiam que nem sabiam se havia sequer algo muito bom para ela, e se não seria melhor pensar no melhor para mim. O melhor para mim era parto vaginal. Mas ela não tinha grandes hipóteses de se safar... Mas segundo o ponto de vista médico, com a cesariana a hipótese aumentava um pouquinho, mas não muito. Se aumentava um pouco, então iamos para o melhor para ela. Mesmo que o melhor não fosse BOM. Mas a cesariana trazia grandes riscos para mim... Não risco de vida propriamente, como o AF percebeu de início, mas risco do meu útero ficar comprometido, e ficar impossibilitada de ter gravidezes viáveis no futuro. É que com um útero numa fase tão precoce da gravidez, teria que ser cortado bastante em profundidade, e em largura, para conseguirem ir buscar a Nonô. Então e como podia eu arriscar a hipótese ínfima da Leonor, com base em gravidez futuras que nem sei se irei ter? Tinhamos a Leonor naquele momento, e a hipótese de lutar por ela. Como nâo o fazer?
O AF dizia que a decisão era minha. E eu já tinha decidido ainda antes dele chegar... Tinha muito medo da cesariana, confesso. Muito mesmo. Por mim! Porque não me achava capaz de passar por tudo aquilo sem qualquer preparação prévia, tinha sido tudo muito de repente... Mas já tinha decidido. A partir do momento em que informámos os médicos da nossa decisão, não mais se falou de prognósticos: iamos avançar, e eles dariam o seu melhor!
Começou tudo... Algaliaram-me, punham-me acessos venosos nas mãos, mediam-me a tensão, davam-me medicação, picavam para tirar sangue, e davam-me a anestesia, tudo ao mesmo tempo. Apaniquei. Muito. Comecei a chorar e mal conseguia parar quieta para a epidural. Tremia muito, mas tremores de grande amplitude. Uma enfermeira limpava-me as lágrimas, e penso que ela achou que eu estava a cair em mim na hipótese da Leonor não sobreviver a tudo aquilo... Confesso que não. Naquele momento chorei apenas porque achei que não ia aguentar todo aquele aparato. É muito difícil estar do outro lado... Apaniquei pela claustrofobia do momento: não podia sair dali, e o momento de tudo ter acabado ainda parecia longínquo.
Quando todas as dores passaram e só senti formigueiro, apaniquei de novo: sentia começarem-me a cortar a barriga... Logo quando sentia a perna esquerda dormente, mas a direita normal. "É normal, não se preocupe que a barriga está anestesiada!". É isto que os doentes nas cirurgias nas quais participei sentem? Coitados! É normal sentir tudo? Sentir TANTO? Ok, não há dor, mas sentia tanto do que me faziam! Parecia que os sentia mexerem nas minhas costas através do corte na barriga... Era muito estranho... E eu continuava a tremer, tremer, tremer, conseguindo mexer o suporte para os meus braços onde estava presa...
Depois veio o momento mágico... Aquele em que ouvi um chorar tímido, baixinho, mas constante. Era a minha menina! Ela estava a chorar! Esteve durante um bocado! Não me lembro se parei de tremer nesse momento... Mas foi o momento em que senti: "Sou mãe!". Não vi a Leonor, só a ouvir durante o pouco tempo em que cuidaram dela no Bloco, antes de a encaminharem para os Cuidados Intensivos Neonatais.
"441 gramas! Mas as mulheres não se medem aos palmos, hã?"-disse um pediatra. 441 gramas!! Nem as 470 estimadas na ecografia! Coitadinha da minha pequenina, a fominha que passou dentro de mim...
Sei que exclamaram depois algo sobre a placenta. Não percebi o quê, mas algo de errado se passava com ela... E lá aguentei mais imensas mexedelas. Nesta altura, já nem ligava...Queria saber algo da Nonô! Quando veio um pediatra de máscara ter comigo, fez-me impressão não conseguir ver a cara dele. Não percebi que tipo de notícias ele me trazia... Quando perguntou: "Então, como se vai chamar a princesa?" acho que parei de tremer. Parei de sentir as obstetras mexerem nas minhas entranhas. A pequena tinha sobrevivido, pelo menos até ali! Já estava na incubadora. E estava bem!
Tudo o resto passou a correr. Não liguei mais ao que de físico estava a sentir. Liguei apenas ao alívio brutal de pelo menos aquele passo já ter sido ultrapassado pela Leonor.
No recobro deixaram o André vir ter comigo. Eu tinha frio, muito frio, e já tinha voltado a tremer. Só ele foi chamado à Neonatologia (óbvio que eu não estava em condições) e já só voltei a falar com ele quando já estava no serviço de internamento... Não tinha telemóvel comigo, e queria muito ter novidades da Leonor!
Não tenho bem noção das primeiras horas no Internamento. Tinha muito sono, sentia que não conseguia estar acordada, mas também não dormia, porque me lembro de olhar para o relógio e serem quase sempre as mesmas horas.
A morfina ajudou muito a não ter dores. Tenho-as agora. Mas já passaram 4 dias, e a Nô permanece estável. Não imaginam como é pequenina! Mas como é perfeita no seu tamanho micro...nano!! Agora a luta é outra: só queria que ela se aguentasse! Mas já passou muitos obstáculos que achavam não ser possível, por isso continuarei a confiar nela e na sua vontade de viver.
Renovo o convite para visitarem o
blog do papá da Leonor. Ele tem sido muito mais assíduo a dar novidades! E não sei como teria conseguido tudo sem ele...