sexta-feira, 19 de agosto de 2005

A indústria dos incêndios

Já estava para escrever sobre os incêndios que têm sido uma constante no nosso país há já algum tempo. Ontem tive uma conversa com uma amiga da Sertã (que como sabem é das zonas com fogos ainda activos) e o desabafo dela dá revolta.
Recebi um email sobre o tema e optei por deixá-lo aqui em vez de escrever algo meu (q concerteza n seria tão completo):

"A evidência salta aos olhos: o país está a arder porque alguém quer que ele arda. Ou melhor, porque muita gente quer que ele arda. Há uma verdadeira indústria dos incêndios em Portugal. Há muita gente a beneficiar, directa ou indirectamente, da terra queimada.

José Gomes Ferreira
Sub-director de Informação


Oficialmente, continua a correr a versão de que não há motivações económicas para a maioria dos incêndios. Oficialmente continua a ser dito que as ocorrências se devem a negligência ou ao simples prazer de ver o fogo. A maioria dos incendiários seriam pessoas mentalmente diminuídas. Mas a tragédia não acontece por acaso. Vejamos:

1 - Porque é que o combate aéreo aos incêndios em Portugal é TOTALMENTE concessionado a empresas privadas, ao contrário do que acontece noutros países europeus da orla mediterrânica?

Porque é que os testemunhos populares sobre o início de incêndios em várias frentes imediatamente após a passagem de aeronaves continuam sem investigação após tantos anos de ocorrências?

Porque é que o Estado tem 700 milhões de euros para comprar dois submarinos e não tem metade dessa verba para comprar uma dúzia de aviões Cannadair?

Porque é que há pilotos da Força Aérea formados para combater incêndios e que passam o Verão desocupados nos quartéis?

Porque é que as Forças Armadas encomendaram novos helicópteros sem estarem adaptados ao combate a incêndios? Pode o país dar-se a esse luxo?

2 - A maior parte da madeira usada pelas celuloses para produzir pasta de papel pode ser utilizada após a passagem do fogo sem grandes perdas de qualidade. No entanto, os madeireiros pagam um terço do valor aos produtores florestais. Quem ganha com o negócio? Há poucas semanas foi detido mais um madeireiro intermediário na Zona Centro, por suspeita de fogo posto. Estranhamente, as autoridades continuam a dizer que não há motivações económicas nos incêndios...

3 - Se as autoridades não conhecem casos, muitos jornalistas deste país, sobretudo os que se
especializaram na área do ambiente, podem indicar terrenos onde se registaram incêndios há poucos anos e que já estão urbanizados ou em vias de o ser, contra o que diz a lei.

4 - À redacção da SIC e de outros órgãos de informação chegaram cartas e telefonemas anónimos do seguinte teor: "enquanto houver reservas de caça associativa e turística em Portugal, o país vai continuar a arder". Uma clara vingança de quem não quer pagar para caçar nestes espaços e pretende o regresso ao regime livre.

5 - Infelizmente, no Norte e Centro do país ainda continua a haver incêndios provocados para que nas primeiras chuvas os rebentos da vegetação sejam mais tenros e atractivos para os rebanhos. Os comandantes de bombeiros destas zonas conhecem bem esta realidade.

Há cerca de um ano e meio, o então ministro da Agricultura quis fazer um acordo com as direcções das três televisões generalistas em Portugal, no sentido de ser evitada a transmissão de muitas imagens de incêndios durante o Verão. O argumento era que, quanto mais fogo viam no ecrã, mais os incendiários se sentiam motivados a praticar o crime...

Participei nessa reunião. Claro que o acordo não foi aceite, mas pessoalmente senti-me indignado. Como era possível que houvesse tantos cidadãos deste país a perder o rendimento da floresta - e até as habitações - e o poder político estivesse preocupado apenas com um aspecto perfeitamente marginal?

Estranhamente, voltamos a ser confrontados com sugestões de responsáveis da administração pública no sentido de se evitar a exibição de imagens de todos os incêndios que assolam o país.

Há uma indústria dos incêndios em Portugal, cujos agentes não obedecem a uma organização comum mas têm o mesmo objectivo - destruir floresta porque beneficiam com este tipo de crime.

Estranhamente, o Estado não faz o que poderia e deveria fazer:

1 - Assumir directamente o combate aéreo aos incêndios o mais rapidamente possível. Comprar os meios, suspendendo, se necessário, outros contratos de aquisição de equipamento militar.

2 - Distribuir as forças militares pela floresta, durante todo o Verão, em acções de vigilância permanente. (Pelo contrário, o que tem acontecido são acções pontuais de vigilância e combate às chamas).

3 - Alterar a moldura penal dos crimes de fogo posto, agravando substancialmente as penas, e investigar e punir efectivamente os infractores

4 - Proibir rigorosamente todas as construções em zona ardida durante os anos previstos na lei.

5 - Incentivar a limpeza de matas, promovendo o valor dos resíduos, mato e lenha, criando centrais térmicas adaptadas ao uso deste tipo de combustível.

6 - E, é claro, continuar a apoiar as corporações de bombeiros por todos os meios. Com uma noção clara das causas da tragédia e com medidas simples mas eficazes, será possível acreditar que dentro de 20 anos a paisagem portuguesa ainda não será igual à do Norte de África. Se tudo continuar como está, as semelhanças físicas com Marrocos serão inevitáveis a breve prazo. "


José Gomes Ferreira

1 comentário:

  1. Incêndios... Estou a comentar o post alerta (muito urgente e com conteúdo bastante pertinente na actualidade) com um ambiente de fumo muito intenso, causado pelos vários incêndios que deflagraram hoje na zona... Estava eu na piscina, aproveitando uns momento de relax, quando de um momento para o outro vi expressões de admiração em pessoas que apontavam para o bosque junto á piscina... Via-se a parte superior das chamas que dançavam num arrepiante manto de cores fogo, logo seguidas de um fumo negro que ia intoxicando os céus... Cada vez mais víamos o fogo espalhar-se, e passados alguns minutos, lá surgiu o meio de combate aéreo. Deu a volta e parecia vir contra as nossas cabeças... Quando parou mesmo sobre a piscina, para encher lá o "tanquezinho" que transporta... E assim aconteceu durante umas dezenas de vezes durante a tarde... Nesse tempo deu para reflectir um pouco sobre o cada vez mais sério e actual tema dos incêndios. Engraçado como agora encontro aqui este post... Basta pensarmos neste assunto, e só aqui vemos uma série de coisas erradas. Primeiro: a nível de prevenção, penso que as pessoas estão bem informadas (pelo menos desde a minha geração que aprendemos na primária todos aqueles passozinhos essenciais para evitar incêndios. Acidentes acontecem, claro, mas o terror infernal que anda a lavrar as florestas do país não pode ser todo devido a acidentes). Então, é devido a quê? Se pensarmos em fogo posto. Porquê? Motivações económicas. Podem dizer que não as há, mas se, por outro lado, ao analisarmos bem as coisas e virmos que realmente podem haver, leva-nos a outro grande problema, desta vez a nível do carácter dos portugueses. Há alguma motivação, por mais forte que seja, que justifique este arruinar da natureza e de meios de vida? Depois temos o que acontece posteriormente aos incêndios. Não sei se há esforço para descobrir os incendiários, se não há, mas quando de vez em quando descobrem um culpado, o que lhe acontece? Não sei que pena lhes poderia ser aplicada, nem tenho o direito de dar opiniões quanto a isso, mas alguma tem que ser! Iniciar um incêndio voluntariamente é um crime, não é o mesmo que colocar uma pastilha elástica debaixo dum banco público! E estará a ser punido como crime GRAVE que é? Não creio... Daí a minha certeza em concluír que muito anda mal por aí... E é revoltante sentirmo-nos impotentes. Ainda não decidi contra quem estou revoltada, nem tão pouco sei EXACTAMENTE as razões específicas, mas de uma coisa tenho a certeza: é impossível perante tal cenário de catástrofe ficarmos indiferentes... E há um desejo implícito de fazer alguma coisa. Mas o quê? :/

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