quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Prematuridade (e 3 meses sem ti por cá...)

Hoje era a data prevista de parto da Leonor. Em vez disso, faz três meses que ela nos deixou.

Ainda não sei qual terá sido a missão dela por cá, mas acredito que a passagem dela foi importante. Se tentar pensar sobre isso, de uma coisa tenho a certeza: ela trouxe à minha vida uma temática antes quase desconhecida: a prematuridade.

Não fazia ideia da guerra que era. Agora faço... Foi um caminho curto, o meu, mas serviu para compreender a violência da rotina dos pais prematuros.

Viver a Prematuridade com um bebé numa Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais é:

- Conhecer o nosso bebé muito antes do previsto, muito antes de estarmos preparados a vários níveis para o receber.

- Ultrapassar a ideia de que não vamos ter a rotina da gravidez e nascimento de um filho como a maioria das pessoas à nossa volta têm, e como imaginámos nos nossos sonhos e antecipações.

- Conhecer o nosso bebé através de uma barreira física, e gerir o balanço entre o ímpeto de o abraçar e o pavor de o infectar.

- É fazer contas e mais contas, para tentar perceber as prioridades de quem há-de conhecer o filhote primeiro, porque o número de visitas é limitado (na UCIN onde a Leonor esteve era 1 por dia, durante 5 minutos.) Ainda hoje lamento tão pouca gente tê-la conhecido para lá dos vídeos e das fotos.

- É sofrer, como mãe, a cada picada, cada transfusão, cada acto mais invasivo, cada dose de radiação a um corpinho tão pequenino, cada cirurgia (por esta a Nô não chegou a passar).

- É estar nervoso 24/dia (muitas dessas horas ultrapassa-se o nervosismo e passa-se a pânico), não ter fome, não ter vontade de fazer mais nada senão estar ao lado da incubadora, a fazer, no fundo, NADA. A olhar, a cantar, a falar, a AMAR.

- É a dor de sair a porta do Hospital, para dormir, sabendo que não levamos o nosso tesouro connosco, e sentir o vazio em casa... Pois era suposto o bebé sair do casulinho da nossa barriga, para nossa casa. E ele não está já num sítio nem noutro.

- É não conseguir descansar. É dormir umas horas, para o mais cedo possível acordar, tomar banho e vestir à pressa para correr para a UCIN.

- É o aprender realmente o que significa viver um dia de cada vez e fazê-lo na sua plenitude.

- É o pânico de na UCIN haver praticamente sempre um alarme a apitar... É olhar à volta para ver de que bebé é o alarme... Se é do nosso, se do vizinho...Depois de percebermos que é do nosso, perceber se é a saturação, a frequência cardíaca, a frequência respiratória, a sonda que terminou de passar o alimento, a temperatura corporal, a temperatura da incubadora, a humidade...e tentar perceber se é grave, ou uma alteração momentânea ou de mau contacto.

- É muitas vezes tirar leite para ninguém... porque é provável que o bebé venha a precisar, mas ainda não está suficientemente preparado a nível intestinal para começar a receber.

- É sentirmo-nos excluídas da maternidade... Vermos que somos totalmente inúteis para o nosso bebé, e têm que ser pessoas especializadas a "mamã" do nosso filho. São eles que dão o banho, mudam a fralda, alimentam, e nós ficamos de fora, quais seres estranhos ao nosso tesouro, a olhar...

- É manter a esperança para além do que imaginávamos. É ir buscar forças para além do que achávamos possível. É sofrer de maneiras que nunca nos passaram pela cabeça. É viver como nunca previmos. É ver a vida a passar à nossa frente, e nós parecemos estáticos, mas mudamos. Mudamos a forma como vemos a vida, as relações, o amor. Mudamos... apesar do mundo continuar o mesmo.

- É o pânico de, quando não se está na UCIN, receber uma chamada. 

Nós só recebemos uma, mas foi a chamada mais dura que recebi na vida. E provavelmente a mais dura que receberei... 

Tocou o telemóvel do AF, eram 5 da manhã. Acordámos estremunhados, e ele não foi a tempo de atender a chamada. A seguir tocou o meu. Não havia dúvidas do que seria...

- "Mamã, a Leonor não se está a portar lá muito bem... Se calhar era melhor virem"

Não me lembro de me vestir. Lembro-me de chorar, de repetir para mim "tudo há-de correr bem" mil vezes, para mim e em voz alta. Disse-o até à entrada do Hospital. Disse-o para mim própria, quando a médica disse que as coisas não estavam famosas... Que provavelmente era o fim. Quando a enfermeira disse o mesmo. Quando percebi que nos estavam a tratar com pena. Quando percebi que já não se preocupavam com as infecções, e me iam deixar pegar nela. Repeti-o até à exaustão, enquanto a tinha ao meu colo, e via as frequências cardíacas no monitor variarem entre 30 e 200 em gráficos malucos. "Tudo há-de correr bem, Leonor!". Disse-o para mim mesma quando a máquina deu frequência cardíaca zero. Acreditei que era mais um mau contacto das máquinas... Acreditei até a Leonor partir.

E depois de tudo isto, tenho para mim que o devo continuar a repetir até ao fim dos meus dias: 

"Tudo há-de correr bem!".



15 comentários:

  1. :') Fizeste-me chorar. Desejo-te toda a força do mundo, tens sido uma guerreira nestes últimos meses.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada, querida. Ajudas muito, estando desse lado ;)

      Eliminar
  2. Imagino a sensação de impotência, o ímpeto de querer fazer qualquer coisa pela pessoa que mais amamos, mas não podermos fazer mais que ter esperança. A Nô, desde que partiu, que nasce todos os dias em algum de nós. Nas mais variadas formas. Tudo há de correr bem, mamã.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É sentindo a Nô renascer todos os dias em alguém, algum momento, alguma acção, que me consigo manter no caminho em frente. Obrigada!

      Eliminar
  3. Tento repetir essa mesma frase para mim... Principalmente em dias como o de hoje..
    Tudo vai correr bem...
    Não imagino como pode ter sido esse tão triste dia só posso te dar um abraço virtual de muita força...
    Um beijinho grande!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Muito obrigada! Os abraços, mesmo os virtuais, são muito importantes para mim!

      Eliminar
  4. Que post esmagador. Imagino a dor que estás a viver e o sofrimento por que passaram e ainda passam... Muita força aqui deste lado...

    ResponderEliminar
  5. Abraço do tamanho do mundo para ti minha querida <3

    ResponderEliminar
  6. Adek, não conhecia o teu blog, nem te conheço a ti... mas infelizmente conheço a tua dor bem demais... Eu não consigo ter filhos "naturalmente" e fizemos um tratmento de infertilidade que resultou em gravidez. Nem imaginas a nossa alegria. Depois de três anos finalmente iamos ser pais... o nosso sonho ia ser realizado. Depois veio mais uma notícia. Dois bebés!!! Gémeos verdadeiros; Maravilhoso! Tudo a correr bem, sem incidentes. Ecos sempre boas. 2 meninos!!! O que eu queria ser mãe de meninos!!! E depois chegou a eco das 30 semanas pedida por precaução pelo meu médico. E o meu mundo começou a desabar nesse dia... Síndroma de transfusão feto-fetal; urgência para o S. João; médico liga a pedir incubadoras; sou internada nessa 2ª feira ao final da tarde... e nunca acreditei que alguma coisa corresse mal com os meus meninos... Até às 5 da manhã estiveram muito mexidos e depois veio a clama e o meu sona também... Nove da manhã eco para controlo da situação... A sala pequenina, apertada e escura... os médicos que eu não conhecia em silêncio a olhar para o monitor... o meu médico que chega... pousa a mão na minha perna... Não há nada a fazer pelo seu pequenino... E aí o meu mundo desapareceu! Eu morri para a vida... O Daniel tinha morrido no meu útero, o único lugar que seria seguro para ele... Cesariana de urgência para tentar salvar o Tiago... E às onze da manhã era oficialmente mãe de um prematuro de 30s6d com 1510gr e mãe de um Anjo Daniel... Tive que viver a angústia da prematuridade (com sustos e infecções pelo caminho) e a dor de ter perdido um filho. Saí do hospital 6 dias depois de ter entrado com a barriga vazia, o colo vazio e o coração carregado de dor e amor por dois filhos de formas tão distintas... Felizmente passados 32 dias o Tiago veio para casa e no final de Outubro faz 7 anos!!! E há sete anos que sofro com a saudade do futuro que me foi roubado, com o futuro que foi roubado ao Tiago, que imagino como seria ter os dois aqui junto a mim... Passados 3 anos decidimos voltar a tentar... O Tiago merecia alguém para partilhar a sua vida para além de nós. E nós queriamos muito ter mais filhos. Novo tratamento, nova gravidez! Tudo a correr bem, sem incidentes, e apesar do que nos aconteceu sem grandes medos, pois só aconteceu porque eram gémeos verdadeiros. E a caminho tinhamos a Inês! E eu que sempre achei que tinha mais jeito e queda para meninos de repente estava apaixonada pela minha filha, que vinha trazer o cor de rosa à minha vida.

    ResponderEliminar
  7. E cheguei ao fim da gravidez, quase ao final do tempo, já em casa à espera dela... E sempre tudo a correr bem... Até que naquele dia a Inês durante a manhã esteve paradita. Almocei e descansei mais um pouco numa posição em que ela me dava sempre uns pontapés... não deu... e eu meti-me com ela... e ela reagiu pouco, diferente do habitual... Vesti-me e fui ao S. João só para fazer as cintas e ter a certeza que estava tudo bem... Cintas postas, batimento cardíaco mais ou menos ok, poucos movimentos... lanche para a mãe para espevitar a rapariga...e sempre nas cintas... e de repente os batimentos cardíacos desceram, desceram, desceram, aquilo apitou, apitou e eu sabia e não queria saber o que estava a acontecer! Até sou inteligente mas naquele momento desliguei o cérebro e neguei para mim o que estava a acontecer... Eco de emergência... A sala era ampla, a meia luz, um médico muito novo, assustado a olhar para o monitor... o olhar dele para outra médica novita... e eis que chega outra médica que me diz: não podemos fazer nada pela sua menina... E de repente a minha menina morreu no meu útero no único sítio que seria seguro para ela... E fez no início de Setembro 4 anos que voltei a ser mãe de um Anjo Inês... O que eu já chorei por eles, e o que eu acho que ainda vou chorar... Saí do hospital 3 dias mais tarde de novo vazia de tudo... apenas com um coração cheio de amor que não tinha a quem dar. Uma das perguntas que me assaltavam o espírito era: o que faço com este amor que era da Inês? O que faço com o espaço que arranjei no coração para o Daniel? Aprendi que nenhum filho ocupa o lugar de outro filho, quer esteja vivo ou seja um anjo; e que o nosso amor é realmente multiplicado por cada filho que geramos, que cada um tem o sue espaço e dedicação e a ausência deles faz-nos sofrer como se não tivessemos mais nenhum outro filho. O facto de o Tiago ter sobrevivido da minha primeira perda só me ajudou a levantar a cabeça e sair da cama todos os dias com o objectivo de cuidar dele, de o amar, de o proteger... mas não me retirou qualquer dor relativamente à partida de Daniel ou da Inês. Mas deu-me força para sobreviver e lutar pela vida...

    ResponderEliminar
  8. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  9. Mas não te quero assustar mais, pois também eu tive um final feliz. No dia em que perdemos a Inês eu pedi ao meu marido para quando nos deixassem tentassemos de novo ter um filho... não podia, não queria que a crueldade desta vida me derrotasse e me roubasse os meus sonhos assim de maneira tão descarada e de uma maneira tão injusta. E novo tratamento, nova gravidez. Tudo a correr bem mas o pânico instalado em mim. Desta vez nada me sossegava, qualquer coisita para mim era sinal de que tudo ia acabar da mesma forma. Foram umas longas e duras 37s6d. Até que nasceu a Leonor, com vida e saudável! E finalmente saí do hospital com a barriga vazia mas o colo cheio e o coração mais sereno. E já passaram dois anos e meio desdo o dia em que a ouvi chorar! E somos felizes os quatro/seis. (sim sempre que me perguntam quantos filhos tenho verbalizo 2 mas na minha cabeça grito para mim mesma: tens 4 filhos!!! - não os renego nem escondo mas na maior parte des vezes não faz sentido para os outros esta contabilidade). Quero dizer-te com isto tudo, que sim vais ter mais filhos, que certamente vão nascer com o tempo todo, saudáveis e que vos vão encher a vida de alegrias... Mas para já o tempo é de luto. Tens que fazer o luto (durante o tempo que tu precisares - não o que os outros acham aceitável), processar esta perda, "aceitar" a partida da tua Leonor, aprenderes a viver com a dor da saudade do futuro que te foi roubado. E perceberes que o tempo não cura nada, apenas te dá espaço para aprenderes a viver desta outra forma, terás tempo para aprender a amar com um céu de distância. E saberás que tenhas os filhos que tiveres quem te fez mãe pela primeira vez foi a tua Nônô. E que aprenderás a viver e sorrir apesar da dor, da tristeza que te assalta quando menos esperas, quando uma coisita de nada (uma música, uma palavra, uma imagem) trás tudo de novo. E após sete anos posso dizer-te que não há dia que não pense neles, não há dia em que não sinta a falta deles, mas estou a aprender a viver assim, com esta dor e esta saudade. Se precisares de alguém vou estar por aqui... Um abraço apertado e um beijo no coração para ti e um para lá das nuvens para os nossos anjos...
    Carla, mãe do Tiago, do anjo Daniel, do anjo Inês e da Leonor

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada pela partilha da história, Carla. Esta empatia que se cria com quem já passou pelo mesmo é muito importante! Se quiser, tem o meu mail no meu perfil. Se quiser dizer algo por lá, estou por aqui. Obrigada pelas suas palavras, e beijinhos grandes para si, para o Tiago, Daniel, Inês, e Leonor :) Uns destes vão para perto,outros para mais longe, aparentemente. Ou talvez não, e eles estejam para sempre juntinho a nós!

      Eliminar